Sensorial

Chloé Pinheiro
1 min readMar 30, 2021

Recebi uma ligação de uma pessoa muito querida dizendo que minhas palavras no texto anterior a esse a tinham emocionado, de um jeito que ela não se emocionava faz tempo. É estranho isso, porque quando estou escrevendo não sinto nada. Sou apenas uma torneira jorrando palavras e quero ser precisa, o mais precisa possível. Talvez seja um jeito de te colocar na cena e fazer com que você sinta por mim, já que sou incapaz disso. Fazer você sentir o gosto, o cheiro, ver o casco metálico do besouro que passeia no banco de concreto. Me reconstituir sozinha nessa manhã de domingo quente e abafada. Pedir para você ver para mim, do outro lado da praça, uma família feliz, mãe e filha de bicicleta, o pai de patinete, descalço e sem camisa. Eles estendem cangas e desdobram cadeiras de praia para fazer da Roosevelt seu pedaço de areia. Leem o jornal e tomam sol. Ao meu lado, dois moradores de rua fofocam sobre a movimentação dos cachorros. A bola da vez é o Lobinho (batizado assim por eles), um grande vira lata peludo marrom e loiro, que mora na rua e é de outro homem, e ataca o Wellington (sim), um cachorro branco, rebaixado e comprido. De repente, apontam na minha direção e começam a rir e gritar empolgados. Sinto um calorzinho nas costas: é meu cachorro mijando em mim.

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Chloé Pinheiro

Repórter da revista Veja Saúde, da Abril. Fora do horário comercial, escrevo livros por encomenda e textos engraçadinhos (ou não) que ninguém pediu.